terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Pais apanhados em flagrante



A importância de haver coisas por descobrir

Embora muitos pais mantenham os filhos a dormir junto à sua cama até tarde, “por comodidade, para não terem de se levantar a meio da noite se a criança chora, ou até por dependências dos próprios pais em relação aos filhos”, refere Luísa Serra, “nós, psicólogos, consideramos que é conveniente as crianças deixarem de dormir junto dos pais a partir dos seis meses, exatamente para não terem acesso àquilo que se designa por cena primitiva”. Isto porque “estudos psicológicos estabeleceram uma forte correlação entre o insucesso escolar e crianças que assistiram a relações sexuais entre os pais ou outros pares. Segundo os especialistas, toda a aprendizagem, o desejo de conhecer, se baseia no facto de a criança perceber que há coisas que não sabe e ir tentando descobrir o que são. Desde o momento em que tem acesso à cena primitiva deixa de ter curiosidade para aprender, não só a nível escolar mas de um modo geral”. É por isso que os psicólogos, perante um dos raros casos de falta de motivação para a aprendizagem, exploram sempre a hipótese de os seus jovens pacientes terem presenciado actos sexuais.

No entanto, a criança só deverá ficar seriamente afetada quando isso sucede com regularidade, como explica a psicóloga: “O facto de ter assistido uma vez não satisfaz toda a sua curiosidade, há muitas coisas que não percebeu. Não é o mesmo que ficar com uma ideia precisa do que viu. Aconteceu com uma criança de seis anos que sempre dormiu no quarto dos pais. Não sabia brincar, não aprendia as letras e a postura dela era de braços caídos. Foi avaliada ao nível das cognições e não tinha problemas. Não havia outro motivo que justificasse a sua desmotivação.”

Ainda que uma única vez, é de evitar que um filho presencie o ato sexual pois, segundo Luísa Serra, “a maioria das vezes, ele é percecionado como um ato agressivo. Apanhar os pais pode ser muito destrutivo para uma criança que ainda não consegue interiorizar o que ali se está a passar: o que vê é uma coisa muito agressiva, que a assusta. Deve ter-se, portanto, o máximo cuidado e não a expor a esse cenário”.

Para os jovens adolescentes, o sexo pode não ser mais pacífico: “Lembro-me de um trabalho referido num congresso sobre violência na televisão em que, sem nunca se mencionar o sexo, se pediu a alunos do 9º ano de escolaridade para classificarem, quanto à agressividade, os programas que davam nos quatro canais”, recorda a psicóloga. “O que foi considerado mais agressivo, quase por unanimidade, foi o da Playboy...”

“Encontrar os pais, que são sempre seres idealizados, no ato sexual, pode ser muito perturbador mesmo aos 11 anos, até porque já se conhece o que o corpo é capaz de sentir” continua a especialista. “O acesso à genitalidade, a descoberta do corpo sexuado, dá-se, grosso modo, nessa idade. É quando se inicia a masturbação. Assim sendo, têm uma perceção imediata do que se está ali a passar”. O flagrante pode, neste caso, desencadear duas reações: “De inibição do início da sexualidade a dois ou fuga para o ato, precipitando-a, de forma indiscriminada e independentemente dos afetos”. Daqui se conclui que o melhor é ter o máximo cuidado para não ser surpreendido, seja qual for a idade dos filhos.

Como reagir?

Quando acontece, qual será a atitude mais adequada? Segundo Luísa Serra, “tudo depende da reação da criança. Se ela não referir o assunto, os pais não devem abordá-lo. Se fingir que não viu nada, há que respeitar porque é essa a sua estratégia. A não ser que seja percetível que algo não está bem. Por exemplo, se faz chichi na cama, começa a ter menos aproveitamento escolar ou, em idades menores, se começar a fazer birras ou a agredir os pais. Pode suceder, mesmo quando presenciou a cena uma única vez. Tem a ver com zanga: os filhos esperam estabilidade por parte dos pais e se veem que eles não estão bem um com o outro, porque interpretaram o ato sexual como uma luta, pensam que o pai estava a bater na mãe, ficam zangados por os pais não se entenderem”.

Na opinião da psicóloga, “nessas situações tem de se falar com a criança, sem referir o flagrante, perguntar-lhe o que a aflige e tranquilizá-la explicando que está tudo bem. Se ela mencionar o ato, é importante perceber o que a perturbou porque, em toda a cena, pode ter havido um pormenor que a incomodou especialmente. Não se explica o ato em si a uma criança de seis anos, por exemplo, que não vai compreender. Podem usar-se as chamadas mentiras piedosas, como a de que a mãe tinha dores de barriga e o pai estava a ajudá-la. Deve imperar o bom senso: dizer a verdade mas adaptada à idade da criança. E explicar que se trata de um acto de amor, pôr a tónica nos afetos e não no ato, o que não quer dizer que não se fale nele pois não é nenhum bicho papão. Com os mais crescidos já se pode utilizar outra linguagem uma vez que possuem mecanismos psicológicos para elaborar a questão de forma diferente”, acrescenta Luísa Serra. A reação dos pais deverá ser semelhante à referida para os mais pequeninos: deixar que o filho tome a iniciativa de abordar o tema ou falar com ele sempre que suspeitem que algo o perturba.