As crianças são imprevisíveis. Podem mudar de comportamento e de atitudes de um momento para o outro, principalmente se, de repente, se vêem num ambiente diferente daquele a que estão habituadas. A ida para a creche ou jardim-de-infância, e a consequente reacção a essa mudança da rotina diária, é uma lotaria que os pais têm de enfrentar. Sem medos, pois eles não têm razão de ser.
Quando as crianças se deparam com uma nova realidade podem agir de variadas formas. É sabido que, no primeiro dia em que entram num infantário, os choros e gritos são esperados. Mas e quando essas manifestações surgem semanas depois do primeiro dia? Não se preocupe. É também normal e esse comportamento - que não se trata de forma alguma das chamadas «birras» - não deve levantar qualquer tipo de alarmismo.
O pediatra Henrique Galha garante que a rejeição das crianças a um novo ambiente pode surgir em qualquer altura, mesmo ao fim de um determinado período de tempo, em que os pais pensam que a habituação do seu filho já está mais do que ultrapassada. Até porque «a novidade pode ser motivo de interesse para qualquer criança». Isto é, encontrarem-se num espaço novo, com caras diferentes das que habitualmente vêem, aliado a todo um conjunto de possíveis brinquedos e distracções que desconheciam, pode despertar a curiosidade das crianças para a descoberta, para explorar todo um novo mundo que se abre diante dos seus olhos. Desta forma, é provável que demonstrem um sentimento de conforto e até alegria por esta fase diferente que inicia na vida. Um sentimento que, por vezes, dura apenas até que a novidade deixe de o ser.
«Há crianças que são muito curiosas e gostam de explorar coisas novas, mas quando o espaço deixa de ser novidade e percebem que estão ‘sozinhas’, no meio de outras crianças e de adultos que não os pais, mostram-se desconfortáveis», refere Sofia Silvério, psicóloga do Núcleo de Psicologia do Estoril. E acrescenta: «Em alguns casos, a criança parece adaptada ao local e aos colegas, mostra-se interessada e participativa nas actividades, mas, de repente, muda o seu comportamento, isolando-se, chorando quando vê os pais e recusando participar nas tarefas». Quando esta atitude é adoptada pela criança, a psicóloga não tem dúvidas em dizer aos pais para não se deixarem enganar, já que, «na maioria das vezes, é apenas uma tentativa da criança ‘tentar a sua sorte’ e voltar para casa, para junto do conforto dos pais».
NORMAL E FREQUENTE
Os casos em que a reacção negativa à creche ou ao infantário surge tardiamente não são tão difíceis de encontrar, nem tão raros como se possa pensar. Henrique Galha afirma que são vários os pais que o procuram regularmente, na tentativa de obterem uma explicação para a alteração de comportamento das suas crianças.
Sofia Silvério refere que a «frequência destes casos é relativa, uma vez que a grande maioria das crianças passa por uma fase em que se mostra mais desagradada com a escola, com reacções que sugerem alguma ansiedade quando estão na própria escola». Mas sustenta a afirmação com números gerais: «Poderá dizer-se que em todas as salas de creche e de jardim-de-infância, principalmente na sala dos dois e três anos, haverá duas ou três crianças com dificuldades de adaptação, exibindo talvez um deles dificuldades de adaptação tardias.»
E, apoiada na experiência que tem no Núcleo de Psicologia do Estoril, dá mesmo um exemplo do que aconteceu nas três creches em que trabalha: «Houve dois meninos com dificuldades de adaptação tardias. Um porque a situação em casa se alterou bastante, com o divórcio dos pais, e cerca de um mês depois começou a exibir comportamentos mais desajustados. E uma menina, porque, de tão tímida que era, não conseguia expor os seus sentimentos. Só após duas semanas começou a sentir-se confortável para chorar e extravasar a sua ansiedade».
Não é possível definir um prazo, como que uma data-limite para que as reacções tardias aconteçam. Nunca é cedo demais assim como nunca é tarde demais para as crianças mudarem de comportamento em relação ao infantário. Em média, considera-se que, durante os primeiros dois meses, a criança está em fase de adaptação à escola e às novas realidades. Assim, Sofia Silvério afirma que «se passado um mês o menino começa a exibir um tipo de comportamento desajustado, talvez não se possa falar num caso de uma criança que estava adaptada e que depois mudou as suas atitudes.»
Pelo contrário, pode dar-se o caso de «a criança nunca se ter adaptado» e, consequentemente, não se sentir confortável para «mostrar os seus sentimentos a pessoas que não eram ainda ‘merecedoras’ da sua confiança». Por outro lado, «podemos falar de crianças que interiorizam os seus sentimentos e que apenas os exteriorizam quando o ‘copo transborda’». Ou ainda de crianças que só tardiamente se aperceberam de que aquela mudança na sua vida é definitiva, e não apenas temporária, como por exemplo quando passaram férias com os avós.Leia ainda as dicas para os pais