domingo, 10 de agosto de 2014

A conquista da autonomia



A conquista da autonomia pela criança é um processo natural e esperado. Mas muitos pais são atingidos por sentimentos ambivalentes de orgulho e perda. Reconhecê-los é meio caminho andado para a ajudar a crescer.



Sete da manhã e os minutos a passarem mais depressa que o costume. E é então que a criança lá de casa decide que não precisa de ninguém para se vestir, calçar, tomar o pequeno-almoço e lavar os dentes. E uma missão que o pai ou a mãe despacham em pouco tempo parece eternizar-se, enquanto o atraso se instala em definitivo. Se, por acaso, é oferecida ajuda – ou se a paciência se esgota e os ténis são mesmo calçados pelo adulto mais à mão – o resultado é, provavelmente, uma birra monumental, que adia ainda mais a saída de casa. 
Reconhece o cenário? Pois é. Chega a altura em que a criança que, até então, permitia – mais ou menos docilmente – que outros cuidassem dela decide que já é capaz e quer fazer tudo sozinha. Habitualmente, a chegada a este patamar dá-se por volta dos dois anos e corresponde à aquisição de várias ferramentas: cognitivas, comportamentais e emocionais. «Um dos aspetos essenciais para o ganho de autonomia é a motricidade fina», afirma a psicóloga clínica Madalena Resende. Ou seja, quando apertar ou desapertar um botão, pegar com firmeza numa colher ou calçar um sapato já não tem segredos, é mais que natural que a criança ache que já não necessita de ajuda, mesmo se parece demorar muito tempo. Ora quando esse tempo escasseia, os adultos caem muitas vezes na tentação de se sobrepor e ‘ajudá-la’. Para Madalena Resende, há que resistir. «É muito importante que a criança sinta que, se não conseguir, os pais não só não a vão recriminar como a vão ajudar, na altura em que ela precisar. Porém, isso é muito diferente de se sentir constantemente reprimida nos seus esforços de autonomia. Saber que os pais, ou outros adultos de referência, confiam nas suas capacidades reforça o sentimento de capacitação e de pertença àquela família ou grupo social.»
Naturalmente que acolher os esforços de autonomia de uma criança pequena está longe de permitir que ela faça tudo o que lhe apetece. «As capacidades de autorregulação são, nesta fase, bastante primitivas e é evidente que o filtro adulto tem de estar sempre presente. Não se vai deixar um bebé de dois anos empoleirar-se num sítio alto ou mexer nos bicos do fogão só porque ele quer experimentar». Por outras palavras, traçar limites é essencial não só por uma questão de segurança mas também porque «ao tornar claras regras e limitações, em suma, a autoridade, transmitem-se fronteiras no interior das quais a autonomia pode florescer. É importante que a criança saiba desde logo que, se passar determinados limites, haverá consequências».


Pais e filhos